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A POESIA DA FORMA: O CINQUENTENÁRIO DE BRASÍLIA E A PROPOSTA DA II BIENAL INTERNACIONAL DE POESIA

 

Por ANTONIO MIRANDA 

acompanhando max bense em sua visita a brasília, 1961

 

Enquanto com Max Bense eu ia

como que sua filosofia

mineral, toda esquadrias

do metal-luz dos meios-dias,

arquitetura se fazia:

mas um edifício sem entropia,

literalmente, se construía,

um edifício filosofia.

 

Enquanto Max Bense a visita

e a vai dizendo, Brasília,

eu também de visita ia:

ao edifício do que ele dizia;

edifício que, todavia,

de duas formas existia:

na de edifício em que se habita

e de edifício que nos habita.

 

 

JOÃO CABRAL DE MELO NETO

 

JOÃO CABRAL DE MELO NETO

(Museu de Tudo, 1975)

 

A celebração dos cinquentenário de Brasília e a montagem da II Bienal Internacional de Poesia – a II BIP, trazem à nossa  consideração uma valiosa plêiade (no seu sentido estelar de “coisas maravilhosas e pessoas ilustres”) que estão na origem da cidade e, muitas delas, quase todas!!!, circunstanciadas com o conceito da criação e da poesia. Afinal, poesia vem de poiesis e tem tudo a ver com a idealização da Nova Capital do Brasil, no sentido da concretização de uma idéia como forma de expressão civilizatória incomum. Como percebeu o genial Max Bense,

 

o urbanismo da nova capital permite uma consciência poética inteiramente distinta, uma consciência que também abre espaço à poesia artificial da pureza estrutural e à concreta materialidade da palavra (Max Bense), em seu livro emblematicamente intitulado “Inteligência brasileira”. (p. 30)

 

Brasília tem a ver com um projeto novo de país, com a projeção de um novo conceito de criação coletiva, com novas formas de habitabilidade e socialização. Não é à toa que o filósofo da arte alemão Max Bense, que a visitou em seus primórdios, entendeu o sentido teleológico, de futurismo e de projeção social da cidade.

 

Max Bense

 

Daí que em Brasília interessam menos as edificações isoladas do que o seu conjunto, prevalecendo a relação topológica e estética que elas estabelecem entre si” (...), “pois Brasília não é um aglomerado humano, é um projeto de urbanização que orienta um novo sentido de vida e de viver: também aqui pode-se observar a mecânica do mundo técnico liberar-se do modo crescente das articulações casuais da existência e das partes do corpo e tornar-se abstrata. E neste tipo de monumentalidade a arquitetura, enquanto plano e espírito, retoma o que perdeu em sentimento e sensibilidade.(Max Bense, p. 27)

 

Palavras proféticas, ao mesmo tempo em que resumem a proposta de Lucio Costa e sua equipe na concepção arquitetônica e vivencial de Brasília. Então, “podemos falar de concreção, de realização concreta, de uma capacidade concreta de expressão, de representação, arte, arquitetura” (p.28). Ou seja, “o urbanismo da nova capital permite uma consciência poética inteiramente distinta, uma consciência que também abre espaço à poesia artificial da pureza estrutural e à concreta materialidade da palavra.”(p.30) Ou seja, Brasília é o exemplo vivo de uma nova forma de criar e conceber o Brasil, que vinha sendo gestada em nossa miscigenação e em nossa urgência de criar uma nova civilização, como bem perceberam visionários (vistos como utopistas) como Stefan Zweig e Max Bense, entre tantos.

 

Ferreira Gullar

 

Na celebração dos 50 anos queremos homenagear o poeta Ferreira Gullar, um dos pioneiros na pregação do ideário da integração das artes. Ele foi nosso primeiro diretor de cultura da cidade e promoveu, nos esqueletos da construção do Teatro Nacional, um encontro de intelectuais de que participaram o já citado brazilianista Max Bense e o nosso teórico máximo das artes que foi Mário Pedrosa, no ano de 1961, quando ainda Brasília firmava sua identidade. Ferreira Gullar será o principal homenageado da II Bienal Internacional de Poesia de Brasília, quando fará a palestra inaugural para rememorar aquele evento fundante de nossa poiesis cidadã, no dia 3 de setembro do presente ano de 2010.

 

Mas cabe ainda ressaltar, na gênese desse pensamento construtivista, a teoria da integração das artes. Brasília é a primeira expressão urbana deste conceito proposto nos primórdios do Bauhaus, como agenda criadora de um novo design de cidade e de vida. (E não é nada mais oportuno que a exposição do Bauhaus que vai acontecer no Museu Nacional de Brasília em setembro de 2010, concomitante com a II BIP). O modernismo na arquitetura, que tem raízes meridionais e expressões como Le Corbusier,  está na origem de nossa concepção estética de arquitetura moderna desde a construção do antigo Ministério da Educação e Cultura, hoje Palácio Capanema, no Rio de Janeiro, associado com os gênios de Lucio Costa, Oscar Niemeyer, Burle Marx e Cândido Portinari, entre outros. Integrar arquitetura, paisagismo, urbanismo com a escultura, a pintura, a cenografia, a música e a poesia numa criação coletiva e transformadora. Acreditando que só existe criação no coletivo, que o individualismo é apenas um recorte de uma criação coletiva... Ainda que se reconheça que os grandes criadores rompem paradigmas e apontam para novos caminhos.

 

E foi nos canteiros de obra de Brasília que aqueles sonhadores do concreto projetaram a materialização de uma nova poesia.

 

A exposição de poesia visual intitulada “OBRANOME III”, no âmbito da pluralidade da II BIP, com projeto e a curadoria de Wagner Barja que hoje orienta o programa museal e as mostras de nosso Museu Nacional do Conjunto Cultural da República e da galeria CAL / DEx - UnB, vai revelar pela 3ª vez em Brasília um conjunto de obras de  poetas “verbivocovisuais”, ou seja, aqueles que integram na poética visual a imagem da palavra, com o som, em tecnologias analógicas e digitais do vídeo, da animação computacional eletroeletrônica, que face às novas tecnologias impulsionam a poesia do século XXI. Poetas visuais brasileiros e estrangeiros, com obras voltadas para o tema central da BIP exibirão em OBRANOME III peças originais, especialmente criadas ou integradas pela curadoria no contexto da convergência das linguagens artísticas. Conforme o proposto pela BIP estas obras serão exibidas no Museu Nacional em conluio com a própria arquitetura desse maravilhoso espaço em formas planas, tridimensionais, bidimensionais e unidimensionais, em videopoemas, performances instalações, projeções ou simplesmente em releituras de textos. Nesta 3ª edição, a mostra OBRANOMEIII  pretende  plasmar de forma mais evidente, que nas edições anteriores, o fenômeno da multidimensionalidade espacial, os seus ambientes imersivos e interativos, para transmitir ao público o estado da arte concebida numa nova poética processual que  se afirma  e se diferencia numa verdadeira profusão de linguagens artísticas, como quer o conceito transversal da II BIP.

 

 

PROPOSTAS DESPROPOSITADAS...

 

“Não pode nenhum poeta — nem ninguém — ter a pretensão de estabelecer rumos e regras para a poesia. Não resta dúvida de que a poesia, como qualquer outro fenômeno social, está sujeita a determinações do espaço e do tempo históricos mas o modo como essas determinações atuam sobre a produção do poema é absolutamente impossível de prever-se.” FERREIRA GULLAR

 

Não temos receita para turbinar e reciclar a poesia, mas temos os fermentos e podemos criar as situações. Assim entendemos a Bienal Internacional de Brasília, como a busca do estado da arte, que compreende o que se propôs nos anos 50, como forma vislumbrada mas desaparelhada: era uma antecipação. Só agora é que podemos atingir aquele utopismo, por caminhos radicalmente inovadores, mas - como queria Edgar Morin em sua teoria da complexidade - com a poeira da estrada, ou seja, com a constância de nossos ideários e raízes, interligados.

 

Não há saudosismo, muito menos reaquecimento na proposta da discussão da integração das artes. Brasília foi enjaulada durante duas décadas de ditadura. Houve uma suspensão daquela inteligência que só persistiu na clandestinidade. A verbivocovisualidade estava na poesia e na arquitetura. A integração das artes se dava ainda mais por somatórios do que por amálgama... No tripé que citamos do Max Bense reclamando a parte tecnológica, agora é que amadureceu e aponta para desdobramentos imprevisíveis em termos de criação solidária, coletiva. O conceito de Obranome, que tem a ver com o poema-não-objeto do Gullar, com o conceito de obra múltipla do Bense, com a teoria do não-objeto dos neoconcretistas, está ainda amadurecendo.. .

Melhor é fazer e mostrar do que ficar fazendo proselitismo, redigindo manifestos, criando ortodoxias e ditando formulários para a criação alheia.

 

Mas a II BIP pretende também fazer um balanço da poesia que se oferece no mundo, com a participação de poetas convidados de muitos países, de todo o Brasil e da nossa cidade. Uma poesia que escapou dos “ismos”, das ortodoxias e dos manifestos vanguardistas para assumir uma pluralidade de formas e expressões que acontece agora não apenas nos livros e revistas, nos bares e teatros, mas também nos blogs e revistas eletrônicas, nos CDS e DVDs combinada com música e teatro, em espaços públicos e por toda e qualquer forma de criação. Mesmo as tradicionais e consagradas como o soneto, o cordel, a MPB ou a da crítica social e política, a que revela as questões das minorias e dos despossuídos.

 

A II BIP começa com o 2º Simpósio de Crítica de Poesia, coordenado por Sylvia Cyntrão, da Universidade de Brasília, onde o tema entra em questão pela visão dos especialistas convidados.  

 

 

BNB 

 

 

Mas a II BIP vai acontecer em toda a cidade, irradiando-se dos espaços da Biblioteca Nacional e do Museu Nacional, passando pelo Teatro Nacional, bibliotecas públicas das cidades satélites, pelos centros culturais do SESC, faculdades e terminando em bares e cafés de Brasília, além da já consagrada Barca da Cultura que vai percorrer o Lago Paranoá com poetas, músicos e público interessado.

 

Poesia é, no sentido atual, a criação de uma nova realidade e não mais a descrição de realidades visíveis... O conceito de poesia visual é, pois, arquitetônico, de design, de constituição de uma realidade autônoma, exógena, que é projetada para fora, que é reinterpretativa, recriada pelo leitor ou espectador. No fundo, sempre foi assim, mas não admitíamos. “A tarefa não é tanto ver o que ninguém tinha visto, mas pensar o que ninguém pensou a respeito do que todo mundo vê”, como disse Schopenhauer, ou seja, que a literatura desvenda o não visto e que só é visível pelos meios que concretizam uma idéia, um sentimento, uma visão de mundo. Todos vemos Brasília, mas algumas pessoas desvendam significações que escapam à nossa percepção descuidada ou despreparada. A arte nos aproxima de um entendimento do mundo que reconhecemos sem termos visto antes. Um paradoxo que só a poesia pode revelar-nos.  

 

Museu Nacional de Brasília

 

A II BIP        quer revelar, no ano do cinqüentenário de Brasília, o que ela tem de original, de própria e de construtiva: a do design como “uma modalidade de mediação da configuração do mundo”, a constatação de que a cidade se construiu na utopia de uma integração das artes, “mediante a construtividade técnica, a concepção artística e a produção industrial”, ingrediente de um “novo conceito de civilização”, como ressalta Max Bense. Ele que, no início da cidade, a partir da arquitetura, da arte e da poesia, anteviu um Brasil de criatividade renovada, sem ufanismos e chauvinismos. “Esta cidade inteiramente artificial — está claro o que pretendo dizer com isso — é a primeira expressão visível de um cartesianismo na forma do design. Expressão de um design total análogo à idéia de uma obra de arte total, um enorme reservatório, tanto da inteligência  técnica quanto da artística, e representação não casual mas necessária dessas forças  sintéticas  num espaço prospectivo de civilização.”, ainda na interpretação de Bense, que está na proposta do temário da II BIP.

 

Palavras que necessitamos ouvir no momento de reflexão sobre o significado da Capital Federal, como poiesis, quando estamos à beira de um pessimismo que nos turva a visão de futuro, para reencontrarmos, ou melhor, reorientarmos os nossos caminhos. E para não dizer que não falamos de flores...,devemos relembrar que o momento da criação de Brasília, na precariedade da infraestrutura do país nos anos 50 do século passado, quando fomos capazes de espantar o mundo com a construção de nossa Capital Federal como marco decisivo da arquitetura moderna; levamos aos cinemas de toda parte a inventividade do “Cinema Novo” apenas “com uma câmera na mão e uma ideia na cabeça”;  projetamos a Bossa Nova de forma definitiva em todo o planeta a partir de barzinhos e redutos universitários da Zona Sul do Rio de Janeiro; e conquistamos, pela primeira vez, a Copa do Mundo de Futebol em 1958, e  devemos marcar nosso vanguardismo com a irradiação do conceito de poesia concreta que hoje é tema de teses e pesquisas em muitos países, além de outras conquistas que, havendo espaço e tempo, poderiam ser rememoradas. Nesse afã, a II Bienal Internacional de Poesia de Brasília pretende cunhar mais um título para a cidade, a de Capital Brasileira da Poesia. Por que não? Haveremos de.

 

BENSE, M.  Inteligência brasileira. São Paulo: Cosacnaif, 2009. 120 p.

FERREIRA GULLAR. Sobre arte; sobre poesia (Uma luz do chão). 2 ed. Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 2006

 


 

 

 
 
 
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